SUCESSO NO PRIMEIRO ENCONTRO DO NETWORK ENTRE JOVENS NIKKEIS

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Valeu a pena toda preocupação e dedicação! Este foi o sentimento comum aos membros das entidades envolvidas na organização do primeiro encontro do Projeto Network entre Jovens Nikkeis dedicado aos jovens decasséguis retornados do Japão.

Se na fase dos preparativos, a preocupação era reunir o maior número possível de jovens, esse objetivo foi alcançado –165 que fizeram suas inscrições via internet, sendo que 90 deles estiveram no evento, no último sábado, dia 26 de outubro, no Salão Nobre do Bunkyo.

Durante todo o dia, a pronta participação dos presentes nas atividades programadas refletiu a disposição de estabelecer novos contatos, “as pessoas se sentiram seguras para falar sobre suas experiências, o que deu certo, o que deu errado”, como afirmou Lucas Minoru Yokota, em seu depoimento no encerramento do encontro.

patrocinadores

Nossos heróis

Na abertura do encontro, o cônsul-geral adjunto Akira Kusunoki em sua saudação afirmou que, pessoalmente, é contra o uso da palavra “decasségui” para denominar os trabalhadores brasileiros no Japão por carregar um significado “um pouco pejorativo”, como “caipira” já que trabalhadores da zona rural, anualmente, no período do inverno rigoroso, vão trabalhar na cidade grande. Para ele, no entanto, no Brasil, “essa palavra não reflete a realidade” e tem um significado mais ligado com a história da presença dos imigrantes neste país.

De acordo com ele, calcula-se que cerca de 120 ou 150 mil de jovens decasséguis estejam de volta do Japão e residindo no Brasil. Na realidade, “ninguém sabe ao certo quantos são”, afirma, destacando que é preocupante porque muitos deles enfrentam uma crise de identidade. “São recursos humanos que poderiam estar prestando serviço tanto na comunidade nipo-brasileira como também junto ao Japão”, ressalta, admitindo que o grande desafio é “como solucionar e aproveitar essas oportunidades”.

O cônsul-geral adjunto Kusunoki afirma que, o Consulado desejava fazer algo em prol desses jovens e, foi muito importante poder “compartilhar essa iniciativa com as entidades representantes dos jovens”.

Ressaltou ainda a importância dessa realização considerando que o movimento decasségui no próximo ano completa 30 anos.

“Para nós, é um dos eventos mais significativos porque envolve os jovens”, disse Roberto Nishio, presidente da Fundação Kunito Miyasaka, acrescentando que esses jovens retornados “são verdadeiros heróis” e que “merecem todo nosso apoio”.

emilia ester

Do virtual para o real

Esther Yoshinaga, uma das integrantes da organização, foi responsável pela apresentação do projeto Network entre os Jovens Nikkeis. De acordo com ela, o projeto é voltado aos jovens decasséguis retornados e tem como objetivo “estimular mais pessoas a participar das entidades nikkeis”.

Ela apresentou um levantamento de que funcionam no Brasil 546 entidades, sendo 364 localizadas no Estado de São Paulo. O grande problema é descobrir por que os jovens decasséguis, como também suas famílias, não se sentem estimulados a participar dessas entidades.

A proposta, explica Esther, é o chamado “network effect”, conceito utilizado no mundo digital, ou seja, com a participação em uma rede ela se torna cada vez mais valiosa na medida em que mais pessoas participam. “A ideia é trazer os conceitos do mundo virtual para o real”, ressalta. Reconhece que, na relação entidades/decasséguis, “as coisas não se conversam e que as entidades serão forçadas a inovar e motivar as pessoas a participar”.

A sequência da programação foi a dinâmica de grupo sob a coordenação do professor André Saito, especialista em Gestão do Conhecimento e membro do Projeto Geração. Coube a ele a desafiante missão de movimentar os presentes e despertar a empatia, criando condições para facilitar o compartilhamento de suas experiências.

grupos

Foi estabelecido como tema central as vivências relacionadas aos decasséguis, as experiências de trabalhar e viver no Japão, a ser tratado em rodadas de conversas em grupos. Inicialmente, os presentes foram estimulados a conversar sobre o tema com a pessoa sentada ao lado (estimulando-se o exercício de ouvir e falar). Depois, esse tema foi tratado entre quatro e, em seguida, aumentado para oito pessoas. Cada grupo tinha um anfitrião fixo (previamente estabelecido pelos organizadores) encarregado de apresentar um resumo das rodadas anteriores à medida que chegavam novos integrantes no grupo após cerca de 15 minutos de conversa.

Assim, de um bate-papo bem comportado, quase silencioso, à medida que os grupos foram montados, desmontados para formar outros, a conversa se tornou animada tanto que essa dinâmica avançou pelo horário do almoço (o obentô foi servido durante as rodas de conversa).

Pouco antes das 13h, os integrantes de cada grupo foram incumbidos de escrever num papel uma frase representativa das conversas, e em seguida, foi feita a escolha daquela representativa do grupo que foi colada num quadro previamente preparado. Entre as frases estavam: Preconceito em ambos os países; Dificuldades de readaptação/isolamento; Dificuldades de inserção no mercado de trabalho; Falta de apoio psicológico e/ou divulgação dos programas existentes – como melhorar?; Estruturas mais inclusivas nas escolas; Compartilhar mais histórias; Engajamento dos jovens na comunidade nipônica e Papel da mulher na sociedade contemporânea.

Essas anotações foram guardadas pelos organizadores para serem analisadas como referências para os próximos encontros ou informações para novas ações a serem empreendidas pelas entidades jovens.

Visitas e palestras: mais informações

Encerrada a dinâmica de grupo, os participantes foram convidados para visitar a exposição do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, localizado Edifício Bunkyo (do 7º ao 9º andar).

luciano matsumoto

De volta ao Salão Nobre, com as cadeiras da plateia devidamente repostas no lugar, foi a vez de acompanhar a palestra de Luciano Matsumoto, fundador do Comitê Gestor do IntegraNikkey, que há sete meses criou a rede de apoio “Okaeri”, com o apoio do Consulado Geral do Japão em Curitiba.

Em 2013, em Londrina (PR), juntamente com 12 jovens nikkeis, Luciano fundou o IntegraNikkey preocupado com a necessidade de preservar a cultura japonesa e seus valores na comunidade nipo-brasileira. Está organizado em três comitês (temático, jovens e mural de oportunidades). Nesse contexto, o Okaeri foi criado com a finalidade de auxiliar as famílias de decasséguis retornadas em seu processo de readaptação ao Brasil. “Para amenizar o sofrimento delas”, ressalta Matsumoto.

Maru Jeru

Na sequência, Rodolfo Wada, presidente da JCI Brasil-Japão, conduziu um descontraído bate-papo com duas simpáticas ex-decasséguis. Trata-se das blogueiras Maru e Jeru que há quatro anos e meio mantem o Blog das Irmãs, no Youtube com 2.100.000 inscritos. Elas protagonizam uma série descontraída baseada em assuntos variados, muitas vezes, envolvendo divertidas disputas.

Sempre mantendo o bom humor, elas contaram que, após retorno do Japão, morando no interior, empreenderam uma série de tentativas no comércio informal (vendas de cachorro quente, coxinhas feitas por elas próprias), para custear os estudos (ambas fizeram curso de estética), conseguindo emplacar como blogueiras. Garantiram que estão muito felizes no Brasil, fazendo realmente o que gostam.

entidades

Depois do descontraído bate-papo foi a vez dos presentes conhecer parte das entidades parceiras: JCI-Brasil Japão, Academia do Futuro (Nippon Country Club), Abeuni, Asebex, Abjica, Comissão de Jovens Bunkyo, Associação Brasileira de Bolsistas Gaimusho Kenshusei. Entre as empresas amigas, além do cursinho Arcadas (gratuito), estiveram os representantes do Enkyo – Hospital Nipo-Brasileiro e do Magic City.

Na sequência, no item “Depoimentos”, duas personalidades foram convidadas para o seu recado. Primeiro a Jenifer, representando a Coordenação de Políticas para Imigrantes e Promoção do Trabalho Decente, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, para esclarecer o sistema de curso de português gratuito e destinado aos imigrantes, ministrado por meio da rede municipal de ensino.

Já a chef Telma Shiraishi, do Restaurante Aizomê, embaixadora da Boa Vontade de Difusão da Culinária Japonesa, ressaltou que, como empresa amiga, estaria disposta a receber e analisar os currículos de interessados. Destacou que o restaurante constantemente busca funcionários que tiveram vivência no Japão, não somente para atuar na cozinha como no atendimento ao público. De acordo com ela, a prática do conceito do omotenashi (relacionado à hospitalidade, servir e tratar bem) é um dos desafios dos restaurantes japoneses – “se a pessoa não teve vivência fica difícil replicar esse conceito, mas acredito que isso é tranquilo para os decasséguis”.

Na sequência, foi apresentado o painel de depoimentos, com a participação de cinco inscritos: Henrique Utiyama Dutra Pereira, Lucas Uemura, Augusto Yoshiharu Suzuki, Cristiane Takeshita e Lucas Minoru Yokota. (Acompanhe, em anexo, o resumo dos depoimentos).

Criança abençoada

Emilia Yoshinaga, psicanalista e membro da comissão organizadora, encarregada do fechamento do evento, destacou “a sensação de alívio” pelo sucesso do primeiro encontro, principalmente pela oportunidade de compartilhar as históricas e possibilidade de melhoria na assistência aos jovens. Mas, certamente, o grande desafio continua sendo “como atrair os jovens”.

Entre as questões levantadas durante a dinâmica de grupo, ela enfocou a capacidade de “gaman” (paciência, tolerância, perseverança) que muitas vezes pode trazer consequências desastrosas, tanto física como psicologicamente. Nesse sentido, informou que teria disposição de prestar atendimento gratuito às segundas-feiras à tarde aos retornados.

Outro item referiu-se à empregabilidade e, em relação a isso, ressaltou a possibilidade de se criar grupos para orientar sobre entrevistas para emprego e montagem de currículo.

Outra questão apresentada durante a dinâmica de grupo sobre o investimento no Brasil sugeriu buscar especialistas que pudessem fornecer informações úteis.

Sobre o isolamento, outro item indicado por alguns grupos, Dra. Emília reconheceu que “sofrer sozinho” é um dos nossos traços culturais. Ao perceber isso, aconselha, busquem estender as mãos, ofereçam acolhida e tentem multiplicar seu network. “Vamos tentar melhorar o choque cultural”, disse, acrescentando que “este projeto começa aqui, é uma criança que nasce abençoada por vários padrinhos”.

telma marcelo marcia joe

O cantor Joe Hirata, também ex-decasségui, foi encarregado do encerramento do evento. Rememorou os 21 anos de carreira como cantor iniciado aos 8 anos de idade em Maringá (PR) e consolidar sua carreira em 1994 ao conquistar, no Japão, o maior concurso de karokê, o NHK Nodojiman. Foi o primeiro estrangeiro a vencer este campeonato japonês.

Joe cantou “Kampai”, momento em que os presentes formaram uma extensa ciranda no Salão Nobre para acompanharam a música. No centro da roda, Dr. Roberto Nishio, presidente da Fundação Kunito Miyasaka, em sua saudação de encerramento, relembrou emocionado a história de sua avó, uma senhora de 1,50 cm de altura, que mesmo sem saber falar o português, cuidou de seis filhos, sem nunca se queixar nem falar em retornar ao Japão.

Aos presentes, Dr. Nishio, dedicou um conselho: “estudem, ou continuem estudando, a língua japonesa que é um valor a mais em seu currículo. Esse valor precisa ser preservado e cultivado. Tenha sempre orgulho de ser descendente de japoneses. Muita felicidade em seu retorno ao Brasil”.

Marcelo Hideshima, coordenador do Projeto, foi surpreendido com o pedido para manifestar suas impressões. “O sentimento deste encontro é pura gratidão”, disse ela, admitindo que nos 25 anos de atividades junto às entidades nikkeis, este projeto foi um enorme desafio porque estava trabalhando com algo desconhecido.

“Antes de começar, já valeu a pena”, afirmou, “encontrei muitas pessoas de bem aderindo ao projeto, porque tinha vocês, jovens. Os jovens foram convidados e participaram desta forma fantástica e muita energia. Também encontramos pronto apoio junto aos patrocinadores; instituições e entidades que se tornaram nossas parceiras e empresas que se dispuseram a atuar como nossas amigas. Também nossos palestrantes aceitaram prontamente o nosso convite”.

roda

Finalizando, destacou “enfim, agora, o projeto tem de continuar e se fortalecer, Isso só vai acontecer com a participação de todos vocês. O Network só vai acontecer se continuar com vocês”

depoimentos

Depoimentos dos participantes

Durante o evento, os interessados foram convidados a fazer os seus depoimentos. Cinco se inscreveram. Acompanhe o resumo.

Henrique Utiyama Dutra Pereira
O mérito foi sentir que, não somente eu, mas outras pessoas passaram pelos mesmos problemas que eu. Fui aos 4 anos de idade para o Japão, nem sabia falar o português, imagine o japonês. Foi muito difícil fazer amigos.

Carlos Uemura
Não queria ir ao Japão, mas tive de acompanhar os meus pais. Em 1991 comecei a trabalhar numa fábrica em que eu era o único brasileiro. Felizmente teve um japonês que, com toda paciência, me ensinou o serviço e a língua. Trabalhei bastante e não tive oportunidade de estudar. Nunca abandonei a ideia de retornar ao Brasil por causa de meus filhos. Não queria que sofressem como eu. A terra deles é aqui. Meu filho queria ir trabalhar no Japão, mas fiz com ele um trato com ele, poderá ir somente depois de terminar a faculdade, o curso de robótica. Quero que vá ao Japão para trabalhar na empresa, de igual para igual. Obrigado pela oportunidade deste encontro. Foi importante sentirmos acolhidos, que tem gente que gosta da gente, que se importa com a gente.

Augusto Yoshiharu Santos Suzuki
Sou lider do grupo casual de internet chamado Muriwa que reúne jovens retornados do Japão. Fui ao Japão aos 8 anos e retornei ao Brasil aos 24 anos. O processo de readaptação não é fácil, acho que todos passam por essa dificuldade. Acabei me isolando em casa, nem conversava com a família e jogava dia e noite os game on line. Engordei, cheguei a pesar 115 quilos. Fui ajudado pelo professor de colegial de minha irmã mais velha que conseguiu levantar a minha auto-estima. Voltar a estudar não é simples, se formar e construir uma carreira. Considero que o evento de hoje foi bom, alegre, que permitiu compartilhar as coisas mais casuais entre nós, criou a empatia e interação. Permitiu encontrar alguém que pudesse compartilhar nossa experiência.

Cristiane Takeshita
Meu pai foi só ao Japão e dois anos depois fomos eu e minha mãe. Ficamos em Tóquio. Eu me considero nihonjin. Lembro que no 4º ano do “shogakko” (ensino fundamental I), a professora Tsuru Emiko na aula de “kokugo” (língua) lendo um livro, fez uma determinada pergunta e dividiu a classe em 3 turmas. Eu acabei ficando num grupo, sozinha. Não desisti, respondi a pergunta e no final, a minha resposta que estava certa. Depois, algumas pessoas mudaram de opinião e resolveram fazer parte do meu grupo. Sempre fui bem na parte de interpretação de texto. Depois disso, nunca mais me senti reprimida, andei sempre de cabeça erguida. Gostei do evento, só senti falta de mais tempo para poder interagir mais com os presentes.

Lucas Minoru Yokota
Sou um curioso, não sou propriamente um dekassegui, mas achei que seria muito legal participar. Sempre achei que entre os dekassegui seria uma única história – a família que vai ao Japão para juntar recursos para os filhos estudarem. Na realidade, as histórias são as mais variadas. Achei interessante criar um ambiente em que as pessoas se sentiram seguras para falar sobre as suas histórias, o que deu certo, o que deu errado. Saio daqui com uma sensação de que aprendi mais e com uma empatia muito forte, vamos trabalhar que junto somos mais fortes.

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