No domingo do dia 2 de agosto, cerca de 500 pessoas prestigiaram a cerimônia solene do centenário de fundação da Colônia Hirano, no município de Cafelândia (SP).
O evento iniciou logo de manhã com visitas de autoridades ao cemitério, seguindo-se a cerimônia solene no Templo Budista local e o almoço na sede do kaikan.
Acompanhe detalhes desta festa. E, ao final, um breve perfil do líder fundador Humpei Hirano.
“Esse é o problema de quem vai ficando mais jovem”. Este foi o comentário bem-humorado de uma das quatro senhoras que trocavam abraços, próximas à entrada do templo.
“Mas quem você é?”, foi a pergunta e bastaram algumas palavras para se identificarem e trocarem um saudoso abraço.
Esta foi uma das cenas que se repetiram ao longo do último dia 2 de agosto, na antiga Colônia Hirano durante a solenidade comemorativa aos 100 anos de fundação.
A Colônia que, atualmente, está reduzida a 12 famílias, nos anos de 1904/50, em pleno auge, chegou a somar próximo de 300 famílias. No último domingo, ela parecia reviver essa fase, com muitos dos ex-moradores, parentes e descendentes relembrando os tempos da mocidade. Certamente, para grande parte dos presentes, o reencontro e/ou atualização das notícias do pessoal deverá ter sido a parte mais emocionante.
A parte religiosa e solene foi realizada no Templo Heianzan Komyoji (Templo budista da Seita Jodo Shinshu Hompa Hongwanji) que tem capacidade para cerca de 200 pessoas sentadas. Do lado de fora, debaixo de uma árvore frondosa, de frente à entrada, foi instalado um telão e cadeiras para permitir o acompanhamento da solenidade por todos.
Para o público geral a cerimônia oficial teve início por volta das 9h (as autoridades, antes, estiveram no cemitério), com o hasteamento das bandeiras do Brasil e Japão e a execução dos respectivos hinos nacionais pela banda do 37º Batalhão de Bateria Leve, sediada em Lins.
Depois, o prefeito de Cafelândia, Luís Otávio de Carvalho outorgou o diploma de hóspede oficial da cidade ao cônsul-geral Takahiro Nakamae. Em seguida, os dois foram convidados para depositar flores junto ao monumento em homenagem à fundação da Colônia Hirano.
No ato seguinte, as autoridades foram chamadas para o descerramento da placa comemorativa ao centenário de fundação da Colônia, destacando a liderança do fundador Humpei Hirano.
O Ofício Memorial teve com celebrante principal o bispo Shinhei Kajiwara, do Templo Jodo Shinshu, de Tupã. O ritual de oferendas contou com a participação de jovens e crianças.
Na Colônia Hirano foi construído um dos primeiros templos budistas, informa Fábio Yamashita, descendente de uma das mais antigas famílias locais. Depois, em 1950, no mesmo local da antiga construção inteiramente de madeira, foi levantado outro maior, com grande parte em madeira, usando a tradicional técnica japonesa de encaixe, sem o uso de pregos e outros metais.
Além disso, o altar é suntuoso e as cores douradas contrastam com o tom branco das capas e dos zabuton (almofadas) colocados nas cadeiras de madeira.
Fábio Yamashita conta que desde o início do ano, a comunidade local com, a colaboração de representantes de várias entidades, trabalham intensamente para os preparativos desta comemoração. Nesse aspecto, tiveram como preocupação não somente os reparos e a limpeza nas instalações do Templo, como também a ampliação da sede da Associação Cultural Agrícola e Esportiva de Cafelândia, localizada ao lado, e as obras de manutenção do monumento aos pioneiros e do cemitério local. “É nosso costume promover uma grande comemoração a cada dez anos e desta vez foi uma ocasião especial”, explicou.
Durante todo o dia, um espaço localizado entre o templo e o kaikan chamou a atenção de todos os presentes. Tratava-se de um local reunindo uma série de fotos ampliadas, com os personagens devidamente identificados por números, acompanhados de um pedido: “Você está nesta foto? Tem parente ou conhecido que está na foto?”. Muitas famílias e amigos reunidos tentaram colaborar indicando nomes.
Solenidade e homenagem
Ao término do Ofício Memorial foi realizado um intervalo de 20 minutos, ocasião em que foram oferecidos salgadinhos, refrigerantes e água a todos.
A segunda parte do evento, agora realizado com as autoridades na mesa principal; reuniu na primeira fila as pessoas a serem homenageadas.
Foi um longo ritual que envolveu não somente as saudações das autoridades, como também as homenagens com a entrega de placas e mimos. Além dos organizadores, também a Prefeitura Municipal e o deputado Walter Ihoshi fizeram a entrega de suas respectivas homenagens.
Os pós-octagenários da Colônia homenageados foram: Hideo Hirakawa (96 anos), Yoshie Hirakawa (90 anos), Tamiko Yano (92 anos), Kazuji Suzuki (85 anos), Eiko Suzuki (86 anos), Satiko Kawakami (83 anos) e Shigueru Suguiyama (82 anos).
Por seus relevantes serviços à comunidade, receberam o Diploma de Honra ao Mérito: Hideo Hirakawa, Massakatsu Iano, Hissasse Moribe, Tamiko Yano, Sumiko Moribe, Harumi Ykeda e Cecília Kiyomi Moribe Ikeda.
Também foi concedida homenagem póstuma a Hidemi Kawaichi “pelos relevantes serviços prestados à Colônia Hirano”.
A família Sadaichi Yamashita recebeu a Homenagem Especial por ser a mais antiga da Colônia. Ela está presente no local desde sua fundação, em 1915.
A presidente da Comissão Organizadora, Cecilia Moribe Ikeda, abriu as saudações dando as boas-vindas e destacando o significado dessa comemoração.
Kazoshi Shiraichi, presidente da Federação das Associações Culturais Nipo-Brasileiras da Noroeste, parabenizou os organizadores e conclamou esforços e união “rumo aos 200 anos”.
A presidente do Bunkyo, Harumi Arashiro Goya, também destacou a importância da comemoração na Colônia Hirano enquanto símbolo das dificuldades enfrentadas pelos imigrantes japoneses. E, bem-humorada, lembrou que os mosquitinhos que teimavam em incomodar os visitantes, “faziam relembrar os velhos tempos de nosso passado como imigrantes”.
“Participo desta comemoração com muito orgulho e feliz”, disse o vereador e presidente da Câmara Municipal de Cafelândia, Carlos Camargo, destacando que os japoneses “são símbolos de ser humano e exemplo de vida”.
Já o prefeito de Cafelândia, Luís Otávio Carvalho, presidente de honra dos festejos, destacou que “aprendeu muito com a Colônia”, acrescentando que “sempre falamos com orgulho que Cafelândia sedia a primeira colônia do Brasil”.
O cônsul-geral Takahiro Nakamae, que fez sua saudação entremeando trechos em japonês com o português, iniciou destacando seu “profundo sentimento a Humpei Hirano e aos antepassados pioneiros que descansam nestas terras”.
“Foi para mim, realmente emocionante participar deste evento”, afirmou. “Portanto, gostaria de agradecer por terem me proporcionado essa inesquecível experiência”.
“Como um japonês, eu me sinto orgulhoso deles”, referindo-se aos pioneiros da Colônia Hirano, acrescentou – “comprometo nunca me esquecer deles e trabalhar ainda mais para o progresso do intercâmbio Brasil-Japão”.
O deputado federal Walter Ihoshi, também emocionado, fez sua saudação lembrando das histórias contadas pela mãe, que ia descalça para a escola e teve de estudar japonês escondido durante a guerra, e de outras passagens transmitida por outros imigrantes em sua convivência na região.
No encerramento, todos em pé, com acompanhamento musical da professora Emi Kajimoto e de Claudio Amorim, foram interpretados os hinos “Hirano Shokuminka” (relativo à Colônia Hirano) e “Imin no Uta” (Canto do Imigrante).
Eram 13h48 quando os convidados foram encaminhados para os salões ao lado, na sede da Associação Cultural Agrícola e Esportiva de Cafelândia, para o almoço para 500 pessoas, preparado pelo Bufê Fernandes, da cidade de Lins, envolvendo 15 pessoas e servido por 14 garçons. O cardápio constou de salada, maminha natural, frango desossado, linguiça de lombo e farofa – que mereceu os melhores elogios.
ANEXO
As trágicas histórias da Colônia Hirano e de seu fundador Umpei Hirano
No domingo, dia 2 de agosto de 2015, às 8h da manhã, o leve orvalho não impediu a poeira avermelhada junto às rodas dos carros. Seguindo pela estrada de terra, passando no meio de algumas propriedades, numa baixada, à beira do córrego Três Barras (identificado pelos poucos arbustos que restaram em meio ao extenso canavial que domina a região), um solitário marco revela o local da tragédia que se abateu sobre a recém-fundada Colônia Hirano, em 1915: “Kaitaku Guiseisha no Hi” (literalmente, monumento àqueles que perderam suas vidas durante o desbravamento).
Há exatamente 100 anos, no entardecer do dia 3 de agosto de 1915, Umpei Hirano e mais sete companheiros instalaram-se às margens do rio Dourado, numa propriedade situada a 13 quilômetros da estação Presidente Penna (atual Cafelândia) da Estrada de Ferro Noroeste.
Hirano, natural da província de Shizuoka, formado (outros dizem que trancou a matrícula) pela Escola de Línguas Estrangeiras (Tokyo Gaiko Gakko), localizada em Tóquio, foi um dos cinco interpretes contratados para acompanhar a primeira leva de imigrantes japoneses que chegou no porto de Santos, em 18 de junho de 1908.
Massao Daigo, no romance “A Mata das Ilusões” (Mori no Yume)(1), descreve Hirano como uma pessoa de estatura mediana, forte, usava bigode e tinha grossas sobrancelhas arqueadas.
Segundo filho de Kenkichi Shimba, que era descendente de samurai, da aldeia Kunimoto (cidade de Ogasawara, província de Shizuoka), Humpei foi adotado pela tia, passando a usar o sobrenome Hirano.
“Tinha atração romântica pelos países estrangeiros”, escreve Daigo, como muitos outros da era Meiji, fase em que o governo central promoveu a abertura dos portos colocando ponto final na política de isolamento do período anterior – era Edo (1603/1868).
Aos 22 anos de idade, certamente Hirano achou interessante trabalhar no Brasil, cuja viagem lhe possibilitava conhecer a Europa, passando por Moscou e Londres, de acordo com “Mori no Yume”. E mais, o intérprete imaginava trabalhar alguns anos no Brasil e depois conhecer a Espanha (na escola estudava espanhol).
Em 1908, dos 781 imigrantes do Kasato Maru, Hirano seguiu para a Fazenda Guatapará, na Linha Mogiana, acompanhando 23 famílias (88 pessoas).
Os passos seguintes são de desilusão e descontentamento diante das condições de trabalho e remuneração dos imigrantes japoneses.
Hirano com seus quatro companheiros intérpretes enfrentaram as situações mais adversas na tentativa de conciliar os interesses contraditórios dos fazendeiros e dos imigrantes japoneses.
No entanto, nos seis anos em que ficou nessa fazenda, ele passou a ser chamado como “Hirano de Guatapará”, descreve Daigo, chegando ao posto de subgerente e capataz-geral. Tinha sob seu comando 1.500 trabalhadores, japoneses e brasileiros, e “irradiava autoconfiança”.
A partir disso, as informações são conflitantes. Alguns dizem que Hirano teria procurado o cônsul-geral Sadao Matsumura do Consulado Geral do Japão em São Paulo, recém-inaugurado, levando sua proposta de transformar os colonos japoneses das fazendas de café em agricultores independentes. Outras fontes dizem que o próprio cônsul-geral teria feito essa proposta a Hirano.
O fato é que a extensa porção de terras ainda inexploradas na zona oeste do Estado de São Paulo era uma possibilidade de um futuro promissor. E, em 3 de agosto de 1915, juntamente com mais sete companheiros, Hirano embrenhou na mata que cobria os 1.620 alqueires de terra para preparar as bases para a vinda das 82 famílias (cerca de 300 pessoas).
Humpei Hirano marcava definitivamente seu nome na história da imigração japonesa no Brasil, como fundador da primeira colônia de japoneses ao longo da Estrada de Ferro Noroeste, região que a partir disso se destacaria pela maior concentração de pequenos proprietários. Também, essa colônia se tornaria conhecida como uma das vítimas da cruel armadilha preparada pela natureza.
Fábio Kaoru Yamashita, neto de Saidaichi Yamashita – que foi um dos jovens da leva pioneira (tinha 13 anos de idade); lembra que uma das histórias que o avô gostava de contar revela as condições de uma natureza ainda virgem.
Ficou gravado em sua memória o medo que sentiu ao distinguir, entre os incontáveis sons e grunhidos da mata, um “gemido estranho” vindo do vizinho rio. Descobriu depois que era produzido pelo extenso cardume de curimbatá que, no período da piracema, subia o rio na época da reprodução. Depois deles, vieram os lambaris, depois os bagres e os dourados.
A Colônia, localizada no bairro de Três Barras, ficava na baixada próxima ao rio Dourado, com terras de brejo, consideradas boas ao plantio de arroz. Aliás, ideal para um grupo oriundo do país de Mizuho, que a mitologia antiga descreve como um país dos deuses onde se cultiva arroz, registra Daigo. O fato é que, no outro lado do mundo, às margens do rio, essas terras úmidas ofereciam perigo à vida.
No final de 1915, no dia 29 de dezembro, registrou-se a primeira morte por malária. E as vítimas, já enfraquecidas pelo esforço contínuo da derrubada da mata e alimentação inadequada, foram tombando uma a uma – homens, mulheres, crianças, recém-nascidos…
Sem nenhuma condição de enterrar seus mortos no cemitério da cidade, um foi improvisado dentro da própria colônia. Depois de algum tempo, já sem forças, os sobreviventes passaram a cremar os mortos, tradição adotada no Japão, usando os troncos e galhos secos das árvores derrubadas para iniciar o plantio.
A atuação do líder Hirano foi crucial para estancar a epidemia – usando suas últimas economias comprou quinino para o tratamento. Mesmo assim, calcula-se que morreram mais de 60 pessoas. Daigo afirma que o total de mortos está calculado em 60 ou 70 pessoas e somente 43 deles tiveram o registro exato da data do óbito.
A Colônia ainda enfrentaria outros graves problemas: em novembro de 1918, um ataque de gafanhotos conseguiu paralisar até os trens da linha Noroeste e devorou em duas ou três horas toda a cultura agrícola. Em 1919, uma prolongada seca reduziu as colheitas pela metade. Isso sem contar os reveses provocados pelas geadas que, a cada incidência, dizimava a plantação de café e outras culturas.
Tudo isso foi suficiente para minar a vitalidade do líder Hirano, que se sentia “permanentemente culpado das numerosas mortes causadas pela malária”, escreve Daigo, para revelar que somente a pinga era capaz de lhe proporcionar algum consolo (ou apagar momentaneamente a angústia que queimava seu peito sem parar).
No início de 1918 soube da angústia que rondava os chefes de família – a falta da escritura definitiva de suas terras.
Sem dinheiro para honrar esse trato estabelecido no momento da compra (que fora gasto no combate da malária), decidiu pedir um empréstimo ao cônsul-geral Matsumura. Precisava de oito contos de réis, uma quantia razoável. O diplomata não possuía, mas recorreu às economias da esposa Kikuko(2).
Na manhã gelada de 25 de junho de 1918, chegou à estação com a escritura nas mãos, mas antes de dar a boa notícia aos seus companheiros, descobriu que uma impiedosa geada queimara boa parte dos pés de café que começavam a crescer.
Recomeçar mais uma vez, não havia outra solução. Não para Humpei Hirano. No dia 6 de fevereiro de 1919, faleceu aos 34 anos de idade. Deixou o Japão sonhando em conhecer a Espanha e, por uma estranha sina foi acometido justamente pela gripe espanhola.
Certamente, 100 anos depois, sabendo de todos esses detalhes tão trágicos, o cônsul-geral Nakamae se mostrou muito emocionado ao depositar flores e incenso diante do Monumento à beira do rio, hoje cercado pela plantação de cana-de-açúcar.
Depois, no cemitério local, construído em 1946, na gleba 8 – que pertencera a Humpei Hirano, e para onde foram transferidos todos os restos mortais do antigo cemitério – observou atentamente cada um dos detalhes dos túmulos, não só o do líder fundador. Mostrou-se pesaroso com a situação de abandono de vários túmulos.
Fábio Yamashita, uma das 12 famílias remanescentes, neto do pioneiro Sadaichi Yamashita (falecido em 1989 aos 89 anos de idade) e sepultado nesse mesmo cemitério, conta que todo o dia 6 de fevereiro, os membros da comunidade se reúnem para reverenciar a memória de Hirano.
“Antes, junto com as flores e incenso, levávamos uma garrafa de pinga. Nos últimos anos, todos compartilham de uma dose dessa da pinga antes de oferecer ao nosso fundador”, conta Fábio, admitindo que o velho costume local teve de ser mudado depois que estranhos à comunidade invadiam o Cemitério para roubar a pinga, sempre da melhor qualidade.
(1) DAIGO, Masao. A mata das ilusões (Mori no yume). Tradução de Sonia Regina Longhi Ninomiya. 1ª. ed. São Paulo: Aliança Cultural Brasil-Japão, 1997
(2) Daigo escreveu no posfácio de “A mata das ilusões” que, mais tarde, os imigrantes se cotizaram para devolver o empréstimo. O cônsul-geral Matsumura já havia falecido e a viúva Kikuko devolveu o dinheiro com a seguinte mensagem: “Recebo agradecida apenas a intenção”. Acrescenta que esse recurso passou a fazer parte dos fundos da Bolsa de Estudos Matsumura.
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