Homenagem e gratidão à generosidade de Kenji Ishii

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Manhã ensolarada de domingo, dia 17 de janeiro, às 8h58, Kenji Ishii se foi, colocando um ponto final à luta de dois meses contra o câncer, travada no leito do Hospital Albert Einstein (SP). Funeral em família, foi sepultado no dia seguinte, no Cemitério Gethêsamani (SP). Tinha 88 anos e deixou a viúva Mineko, os filhos Roberto, Fernando e Isabel, e sete netos.

Este foi o último ato de Kenji Ishii, um recém-formado em Direito na mundialmente famosa Universidade Keio, que deixou tudo no Japão para buscar seus sonhos – que acreditava estava neste lado do trópico brasileiro.

A vida, certamente, não foi fácil, mas sem dúvida foi muito movimentada. Além de se dedicar ao ramo da joalheria, era o mais dedicado cicerone de jovens e grupos (esportistas ou não!) chegados do Japão e desejosos de conhecer as coisas boas do Brasil.

Ao acompanhar as publicações da comunidade nipo-brasileira a partir de meados dos anos de 1960, em alguma página, sempre havia um anúncio bilíngue de “Jóias Lorena”. Menos que uma estratégia de marketing, praticava-se muito mais a “cumplicidade sociocultural”: o apoio às atividades de manutenção da cultura japonesa em nosso país. Ele fazia parte de uma geração comprometida em garantir as estruturas da comunidade nipo-brasileira e de suas entidades representativas.

São Silvestre: conquista de um jovem estudante

Filho caçula de uma família de agricultores da província japonesa de Nagano, Kenji Ishii fazia parte da equipe de elite de atletismo (especialista em 5 e 10 mil metros), da Universidade Keio (onde estudava Direito Político). Conquistara por duas vezes a competição nacional de atletismo do Japão.

Naqueles anos da Segunda Guerra Mundial, os Jogos Olímpicos foram adiados e, na edição de 1948 realizada em Londres (Inglaterra), a Alemanha e o Japão não foram convidados para participar. Assim, no início de 1952, com os Jogos Olímpicos programados para Helsinque (Finlândia), os preparativos se intensificavam entre os atletas. 

Com o atletismo não foi diferente – na passagem de ano, em 1951, com as despesas pagas pela Universidade Keio, Kenji Ishi e Sussumu Takahashi viajaram do outro lado do mundo para disputar a 22ª. Corrida Internacional de São Silvestre, em São Paulo. Desde 1945, essa Corrida incluía representantes de diversos países e ganhara fama mundial.

Essa edição da São Silvestre reuniu representantes de 12 países (total de 24 atletas), além dos brasileiros. Os iugoslavos, espanhóis, portugueses e alemães, como os japoneses, estreavam na disputa. Estas informações estão registradas na edição do Diário Oficial do Estado de São Paulo, ano LXX, no. 69, domingo, dia 27/03/1960 – edição Suplemento Poder Executivo – página 4.

Nessa primeira participação do Japão na São Silvestre (seus atletas já participaram de outras corridas e conquistaram medalhas pelo mundo, incluindo, a Maratona de Boston), Kenji Ishii fez história: chegou em 8º lugar, afirma o Dr. Luiz Alexandre Yoshida, relembrando as histórias que ouvia dele. “A conquista dele como representante do Japão foi celebrada com direito a participar da tribuna de honra”, acrescenta o primogênito Roberto Ishii.

Na realidade, esse foi um momento que marcava definitivamente a vida do jovem atleta. “Ficou encantado pelo país, atraído pelo Brasil glamouroso e progressista”, escreve o Jornal Nikkey, em sua edição de 19 de janeiro último. Retornou ao Japão e, em 1956, passado uma semana da formatura na Universidade  Keio, com recursos próprios, embarcou no navio “Santos Maru 2”, com destino ao Brasil.

Na realidade, naquele tempo, uma situação o incomodava profundamente, conta Roberto, que era a necessidade de “contrabandear” o arroz (alimento controlado), ou seja, tinha de levar porções de arroz às escondidas para o alojamento para ser consumido e garantir melhor performance nos treinamentos.  

Importantes conselhos dos sempai (veteranos)

Kenji Ishii inicia a desafiante vida de imigrante – foi para o interior paulista onde foi vendedor de cereais, trabalhou na Cooperativa Agrícola de Mauá, na construtora Yamagata Engin no Rio de Janeiro, até constituir seu próprio negócio graças aos conselhos e apoio dos sempai (veteranos), entre eles, Kunito Miyasaka, o poderoso fundador do Banco América do Sul e experiente autoridade em colonização japonesa na América Latina.

Assim, em 1967, nasceu a empresa Joias Lorena que funcionou durante 50 anos em São Paulo. Sem os três filhos interessados em sucedê-lo, em 2017, Ishii encerrou as atividades decretando sua aposentadoria.

Combinando sua atividade profissional – que expandia graças ao contato permanente com os clientes -, Kenji Ishii sempre esteve comprometido em ajudar jovens atletas/estudantes japoneses que chegavam ao Brasil.

Uma célebre passagem nos primeiros anos de Brasil envolveu-o com o jovem estudante da Universidade de Waseda, Keizo Obuchi (que foi Primeiro-Ministro do Japão, de 30/7/1998 a 5/4/2000). O relacionamento entre os dois foi amplamente divulgado quando Obuchi veio ao Brasil, na qualidade de ministro das Relações Exteriores, representando o governo japonês nas comemorações dos 90 anos da imigração japonesa, em 1998 (pouco antes de ser nomeado Primeiro-Ministro).

Obuchi, aos 25 anos de idade, de janeiro a setembro de 1963, realizou uma viagem pelo mundo (passou por 38 países), trabalhando para seu próprio sustento e estudando a realidade de cada local. Em sua passagem por São Paulo, conheceu e foi ajudado por Kenji Ishii, nascendo daí uma duradoura amizade.

Muitos só foram saber desse relacionamento quando, em 1997, já como chanceler, Obuchi compareceu ao casamento de Roberto, filho mais velho de Ishii, realizado em Tóquio. “Foi uma promessa que Obuchi fez ao meu pai e cumpriu”, garante Roberto. Passagem que Julio Cruz Lima, amigo de longa data, amizade consolidada nos campos do São Fernando Golfe Clube, acrescenta: “fez uma saudação que emocionou a todos os presentes. Simplesmente contou a história de dois jovens amigos imigrantes e da amizade eterna e fraternal”.

Roberto conta que o pai sempre estava preocupado em oferecer ajuda aos esportistas de diferentes áreas, principalmente vôlei, golfe e atletismo. Foi colega de classe de Yasutaka Matsudaira, reconhecido como um dos melhores técnicos de vôlei do mundo, e foi responsável pela ascensão da seleção japonesa ao título olímpico nos anos de 1970. Kenji Ishii atuou para intensificar esse intercâmbio entre Brasil-Japão que teve como resultado a criação de uma “escola brasileira” e uma geração de campeões de vôlei em nosso país.

Simples e correto

“Seguramente Ishii-san foi uma das pessoas que mais ajudou os sócios do São Fernando Golfe Clube”, atesta o presidente Julio Cruz Lima, ao lamentar a morte de Kenji Ishii, com quem sempre trocava ideias. “Por décadas, patrocinou os juvenis, com hospedagem, alimentação e boa conversa. Nunca faltou bola, tee e recursos para caddie de nossos juvenis e ele fazia isso sem ninguém saber”.

“Este era Ishii-san, um homem simples e correto, sempre preocupado em ajudar os outros. Conquistou respeito e admiração insuperáveis na colônia, e todos os imigrantes que aqui chegavam, nas décadas seguintes, iam consultá-lo antes de abrir seus negócios ou trazer sua família para o Brasil “. relata Lima, “seu bom humor eterno fará falta a todos”.

Kenji Ishii era associado do Bunkyo desde 2 de outubro de 1959 e atuava no Conselho Deliberativo da entidade desde 1987.Durante vários anos foi presidente da Associação Cultural e Recreativa Nagano Kenjinkai do Brasil e da associação Mita-kai que reúne ex-alunos da Universidade  Keio. Foi membro do Instituto de Direito Comparado Brasil-Japão, contribuindo significativamente no relacionamento desta entidade com a Faculdade de Direito da Universidade Keio.

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